segunda-feira, 13 de julho de 2009

O golpe militar em Honduras: o risco da semidemocracia

Por José Maria Nóbrega – Cientista Político

Nóbrega.jr.ufpe@gmail.com

O golpe militar em Honduras serve como mais um exemplo para avaliarmos a qualidade/solidez das democracias latino-americanas. Já escrevi sobre o modelo semi-autoritário de Chavez na Venezuela, observando que eleições e pluripartidarismo são mecanismos importantes, mas insuficientes para consolidar a democracia em um determinado país. Agora o golpe militar em Honduras nos leva, mais uma vez, a abordar o tema da consolidação democrática nos países da América Latina. Questiono: quais são os critérios mínimos que se fazem necessários para a existência de uma democracia sólida na América Latina?

Honduras é um país que tem em seu histórico uma ilimitada onda de golpes militares, mas que desde 1986 vinha sofrendo uma estabilidade eleitoral – sempre vigiada pelos militares - com governantes se sucedendo no poder (ou seria melhor dizer, governo). Por que agora esta “estabilidade” eleitoral foi quebrada? Para muitos cientistas políticos a existência de eleições e de alternância no governo é ponto suficiente para que em determinado país exista democracia (Przeworski et ali, 2000; Schumpeter, 1984; Dahl, 1969). Mas, o que dizer de um país que vem tendo eleições e de uma hora para outra se mudam as regras democráticas ou se sucedem golpes de conteúdo militar em sua história política? É importante ressaltar o conceito de democracia, quase sempre negligenciado pelos analistas políticos de plantão.

O que é democracia? Existem quatro critérios mínimos para se definir minimamente o conceito de democracia (Mainwaring et ali, 2001): 1. Promover eleições competitivas, livres e limpas para o Legislativo e o Executivo; 2. Pressupor uma cidadania adulta abrangente e inclusa no processo de escolha (voto); 3. Proteger as liberdades civis e os direitos políticos; e 4. Efetivar governos eleitos que de fato governam e onde os militares estejam sob jugo dos civis (idem, 2001: 645). Os critérios um e dois estão contemplados na maioria das teorias da democracia de caráter subminimalista, que reportamos a Przeworski et ali (2000) e Schumpeter (1984), bem como Dahl em Poliarquia, com sua visão bidimensional da democracia/poliarquia (1969). Critérios estes de conteúdo liberal, importantes para qualquer regime político democrático, mas insuficientes para a democracia em sua plenitude. Devemos nos lembrar sempre que democracia não é mera escolha dos governantes em meio a um mercado limitado de políticos profissionais recrutados de uma elite política. Democracia requer uma atenção especial à forma como o regime político é conduzido e como os cidadãos são vistos pelas instituições ditas democráticas (não só as instituições que passam pelo crivo eleitoral).

No caso de Honduras, a quarta propriedade – que se destina a avaliar as autoridades eleitas no que diz respeito ao genuíno poder de governar sem serem ofuscados por atores políticos não eleitos, como os militares, por exemplo, que dominam nos bastidores (Valenzuela, 1992) – aparece como ponto nevrálgico no que aconteceu em sua semidemocracia (ou semi-autoritarismo segundo Ottaway, 2003). Se as eleições são livres e limpas, mas elegem um governo que não consegue controlar algumas das principais arenas políticas pela causa na qual os militares fazem tal controle, então esse sistema político não acomoda uma democracia (Mainwaring et ali, 2001: 650-51).

Teóricos do subminalismo democrático afirmam:
“Em algumas democracias (de que Honduras e Tailândia são protótipos), o governo civil não é mais que uma delgada camada encobrindo o poder militar que é, de fato, exercido pelos generais reformados. Mas enquanto os governantes forem eleitos em eleições nas quais outros grupos tenham chance de vencer e enquanto não usarem o poder dos seus cargos para eliminar a oposição, o fato de o chefe do Executivo ser um general ou um serviçal de general não acrescenta nenhuma informação relevante” (Pzreworski et ali, 2000: 35).

A definição de democracia calcada nesta filosofia não é completa, e é perigosa também. Uma democracia não se sustenta sem respeito integral aos direitos fundamentais (civis, humanos e políticos) e um efetivo controle civil sobre os militares, o que não ocorre com os militares em Honduras. A Tailândia em 2006 sofreu um golpe militar depois que seu primeiro ministro foi acusado de corrupção. Instituições democráticas não são apenas aquelas ligadas ao processo político/partidário/eleitoral. O golpe militar em Honduras nos faz refletir sobre a importância do controle efetivo dos militares na América Latina. Com uma história sucessiva de golpes militares no século XX, podemos ter a história se repetindo no século XXI, onde Honduras aparece como um exemplo importante de análise dessa questão.

Em suma, e respondendo a questão inicial do artigo, para a consolidação da democracia nos países latino-americanos – e aí incluindo todos os países, inclusive o Brasil – os quatro critérios mínimos do conceito de democracia são imprescindíveis. Além do efetivo controle civil sobre os militares – ressaltar que a militarização da segurança pública no Brasil é uma prerrogativa dos militares em questões de ordem civil – deve vir acrescido de eleições limpas, livres e pluriparditárias e com direito a sucessões/alternâncias se assim a maioria quiser; com direitos civis e políticos garantidos para a ampla maioria da população (sem critérios de distinção e perante isonomia jurídica); daí minimamente constituindo um ambiente/sistema/regime democrático sólido. Tais critérios não são vistos em sua concretude em nenhum país da América Latina.

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